domingo, 16 de outubro de 2016

LINEU


"Carl Linné, vulgarmente, conhecido por Lineu, nasceu no sul da Suécia, no seio de uma família religiosa e pobre (o seu pai era um padre luterano), embora ambiciosa.
Em jovem foi um estudante preguiçoso provocando o descontentamento do pai que o pôs a trabalhar como aprendiz de sapateiro. Com receio de passar toda vida nessa situação Lineu pediu outra oportunidade que o levou a nunca mais se desviar do caminho da distinção académica. Estudou medicina na Suécia e Holanda, embora o mundo natural tenha sido a sua verdadeira paixão. A partir de 1730, ainda na casa dos 20 anos, começou a criar catálogos de espécies de animais e plantas do mundo, utilizando um sistema por ele criado, e a sua fama começou a aumentar. Foi um homem muito feliz com a sua própria grandeza. Passava grande parte do seu tempo a lisonjear-se a si próprio, declarando que nunca tinha havido “melhor botânico ou zoólogo”, e que o seu sistema de classificação “ era a maior realização no mundo da ciência”. Chegou a sugerir que a sua campa devia ter a inscrição Princeps Botanicorum, “Príncipe dos Botânicos”.
A sua importância começou a crescer de forma que não era aconselhável por em causa as suas classificações. Os que o faziam sujeitavam-se a encontrar o seu nome associado aos nomes dados a ervas daninhas.
Outro aspecto especial de Lineu era a sua contínua e incessante preocupação com o sexo, chegando a escrever a seguinte passagem frequentemente citada:

“ O amor está a chegar, até mesmo às plantas. Machos e fêmeas celebram as sua núpcias mostrando pela exibição dos seus órgãos sexuais, quais são os machos quais são as fêmeas. As folhas das flores servem de leito nupcial, que o criador tão gloriosamente arranjou, adornou com tão nobres cortinados, e perfumou com tantos aromas suaves para que o noivo e as sua noiva aí possam celebrar as suas núpcias com ainda maior solenidade. Assim que o leito estiver preparado, chega o momento de o noivo abraçar a sua amada noiva e de se entregar a ela.”

Classificou um género de plantas como Clitoria. Facto que levou várias pessoas a acharem o seu sistema de classificação um pouco bizarro, embora o mesmo se tenha revelado irresistível. No período pré-lineano, as plantas recebiam nomes demasiado descritivos. O nome comum da cerejeira era Physalis amno ramosissime ramis angulosis glabris foliis dentoserratis. Lineu abreviou-o para Physalis angulata, ainda hoje usado. O mundo das plantas estava também desorganizado devido a inconsistências de classificação. Um botânico não podia ter a certeza se a Rosa syilvestris alba cum rubore, folio glabro era, ou não, a mesma planta a que outros chamavam Rosa syilvestris inodora seu canina. Lineu resolveu a questão, chamando-lhe simplesmente Rosa canina. Para conseguir que a escolha das palavras adequadas fossem consensuais para todos, era necessário ter um instinto inato para distinguir as características proeminentes de uma espécie, e Lineu tinha-o.
O sistema lineano ficou de tal forma implantado que hoje é difícil conceber outra alternativa. Anteriormente os sistemas de classificação eram muito inconsistentes podendo os animais ser apenas categorizados em selvagens ou domésticos; terrestres, aquáticos ou aéreos; grandes ou pequenos, ou até belos ou insignificantes. Buffon ainda classificava os animais segundo a sua utilidade para o homem, não dando ainda a importância devida aos aspectos de natureza anatómica, facto que levou Lineu a corrigir esse aspecto, classificando todos os seres vivos de acordo com os seus atributos físicos. Como tal a TAXONOMIA – ou seja, a ciência da classificação dos seres vivos nunca mais parou. É claro que tudo isto ainda levou tempo.

A primeira edição do seu livro, Systema Naturae ( 1735), continha apenas catorze páginas. Porém, o livro cresceu tanto que a 12ªedição – a última que Lineu testemunharia - já apresentava três volumes e duas mil e trezentas páginas, acabando por classificar e registar treze mil espécies de plantas e animais. Esta obra datada de 1730, só passou a ser universalmente conhecida a partir de 1760. O país que mais apreciou o seu sistema foi a Inglaterra (facto que explica a Linnaean Society ter a sua sede em Londres, e não em Estocolmo).

Apesar de todo o seu génio o seu sistema ainda apresentava defeitos. Nele se observam classificações de animais imaginários e “seres humanos monstruosos”, em cujos relatos, feitos por viajantes, acreditou. Entre elas encontrava-se um homem selvagem, o Homo ferus, que andava em quatro patas e não falava correctamente, e um “homem com cauda”, o Homo caudatus. Para compreender estas descrições é necessário lembrar que se estava ainda no séc. XVIII, época onde os naturalistas ainda se interessavam por uma série de supostas aparições de sereias perto da costa da Escócia. Porém os erros de Lineu foram largamente compensados pela sua taxonomia sólida e, muitas vezes, excepcional. Entre várias das suas qualidades percebeu que a baleia se integrava na ordem Quadrupedia (mais tarde modificada por Mammalia) que incluía animais terrestres, coisa que ninguém tinha feito antes dele.
No início, Lineu pretendia atribuir a cada planta apenas um género e um número –Convolvulus 1, Convolvulus 2, etc.-, mas percebeu que isso não chegava, e foi então que concebeu a classificação binominal no qual se baseia o seu sistema até aos nossos dias.
Nem todos os naturalistas da sua época aceitaram o seu trabalho, ficando até chocados pela baixeza de alguns termos por ele utilizados. A planta dente-de-leão, por exemplo, era desde há muito tempo conhecida por pissabed (mija na cama) devido às suas propriedades diuréticas, e havia outros nomes como peido-de-égua, torce-tomates, mijo-de-cão, toalha-de-rabo, etc, termos que ainda se usam, na Inglaterra, sem consciência da sua brejeirice. Porém, muitos achavam que a ciência dos seres vivos deveria ser dignificada e os organismos designados com termos mais clássicos, pelo que houve uma certa decepção ao verificar que o auto-eleito Príncipe da Botânica tinha integrado no seu trabalho designações do género clitoria, fornicata e vulva.
Ao longo do tempo, várias destas designações foram sendo eliminadas (não sendo o caso de um molusco do género da lapa que ainda tem a designação oficial de Crepidula fornicata) , assim como outros detalhes que se acrescentaram, devido à especialização nas ciências. De referir que o sistema lineano foi melhorado com a introdução gradual de novas hierarquias taxonómicas com regras próprias de NomenclaturaGénero e espécie já eram utilizados pelos naturalistas um século antes de Lineu. ClasseOrdem e Família, foram integradas nas décadas de 1750 e 1760. Embora o Filo só tenha sido introduzido em 1876, pelo naturalista Ernst Haeckel."
Adaptado de Breve História de Quase Tudo, Quetzal Editores

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